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Sâmara Fernandes Santos Martins

A Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica (CPRE) é um procedimento essencial para o diagnóstico e tratamento de diversas condições biliares e pancreáticas. No entanto, um dos principais riscos associados é a pancreatite aguda pós-CPRE (PAPC), condição conhecida e potencialmente grave, com incidência variável que pode atingir de 3% a 15% dependendo da população estudada e dos critérios diagnósticos utilizados. Devido à sua morbidade significativa, a profilaxia de PAPC é um foco de intensa pesquisa e desenvolvimento. Este texto visa revisar as estratégias profiláticas mais eficazes para reduzir a incidência de PAP com base em evidências científicas recentes.

Fatores de risco para PAPC

Diversos estudos têm identificado e validado fatores de risco que podem predispor os pacientes ao desenvolvimento de pancreatite aguda pós-CPRE (PAPC), já que a identificação dos fatores de risco pré-procedimento é imprescindível para a implementação de estratégias de profilaxia eficazes, sendo elas:

1. Sexo Feminino: a fisiopatologia ainda é desconhecida, mas a hipótese mais provável se relaciona com diferenças anatômicas e hormonais que interferem na resposta inflamatória pancreática.

2. Idade Jovem: especialmente aqueles com menos de 60 anos, estão em maior risco de desenvolver PAPC, devido a uma maior sensibilidade do tecido pancreático à manipulação e aos estímulos inflamatórios.

3. História de Pancreatite Aguda prévia: pacientes com histórico de pancreatite, seja aguda ou crônica, apresentam um risco elevado de desenvolver PAPC, pois a inflamação pré-existente pode predispor o pâncreas a uma resposta exacerbada na vigência de uma intervenção endoscópica.

4. Disfunção do Esfíncter de Oddi (DEO): esse é um dos fatores de risco mais fortes, pois pacientes com DEO, especialmente aqueles submetidos à manometria do esfíncter ou à esfincterotomia, estão em maior risco devido à manipulação direta do ducto pancreático e do esfíncter.

5. Procedimentos Complexos: procedimentos com manipulação prolongada, múltiplas tentativas de canulação do ducto biliar ou pancreático e a realização de procedimentos terapêuticos como esfincterotomia, dilatação de estenoses ou extração de cálculos, aumenta significativamente o risco de PAPC.

6. Injeção de Contraste no Ducto Pancreático: a injeção inadvertida ou intencional de contraste no ducto pancreático é um fator de risco bem estabelecido para PAPC, já que o contraste iodado é capaz de gerar resposta inflamatória no tecido pancreático, levando ao desenvolvimento de pancreatite.

7. Técnica de Canulação: a dificuldade na canulação do ducto biliar principal, necessitando de múltiplas tentativas ou da utilização de técnicas como pré-corte (esfincterotomia pré-corte), está associada a um maior risco de PAPC devido ao trauma na região do esfíncter pancreatico.

8. Obesidade: o mecanismo exato ainda é desconhecido, mas pode estar relacionado a fatores metabólicos e inflamatórios que afetam o pâncreas.

Profilaxia Farmacológica

Protocolos de Hiper-hidratação na Profilaxia da Pancreatite Aguda Pós-CPRE

A hiper-hidratação é uma estratégia profilática emergente na prevenção da pancreatite aguda pós-CPRE (PAPC), que consiste em administração agressiva de fluidos intravenosos durante o peri-procedimento e visa melhorar a perfusão microvascular do pâncreas, reduzindo a isquemia pancreática; diluir as enzimas pancreáticas e mediadores inflamatórios, diminuindo a resposta inflamatória, assim como mantem a integridade da barreira endotelial e prevenir a ativação de células inflamatórias.

Fluido: Ringer Lactato é o mais indicado, devido à sua composição que pode melhor proteger a função endotelial.

Esquema de Administração:

  • Administrar um bolus inicial de 10-20 mL/kg antes do início da CPRE.
  • Manter uma infusão contínua de 3 mL/kg/h durante a CPRE.
  • Continuar a infusão por 8 horas após o procedimento.

Monitoramento: Monitorar os sinais vitais e o balanço hídrico dos pacientes para evitar complicações relacionadas à hiper-hidratação, como edema pulmonar ou insuficiência cardíaca.

Anti-inflamatórios Não Esteroides (AINEs)

Diversos estudos demonstram que os AINEs, particularmente a indometacina 100mg, administrada por via retal, reduz significativamente a incidência de PAPC, com redução estatisticamente significativa segundo metanalises.

Inibidores da Secreção Pancreática

A somatostatina e seu análogo octreotida foram investigados como agentes profiláticos, embora os resultados sejam conflitantes. Algumas meta-análises sugerem uma redução modesta na incidência de PAPC com o uso de somatostatina, especialmente em doses contínuas . No entanto, a octreotida não mostrou benefício consistente em ensaios clínicos.

Profilaxia Mecânica

Stents Pancreáticos

A colocação de stents pancreáticos temporários tem demonstrado eficácia na prevenção de PAPC, especialmente em pacientes de alto risco, como aqueles com esfíncter de Oddi difícil ou manipulação prolongada do ducto pancreático, com redução do risco relativo em cerca de 70%. Entretanto, é importante ressaltar que a inserção de stents pancreáticos deve ser realizada por endoscopistas experientes para minimizar as complicações associadas.

Considerações Finais

A profilaxia da pancreatite aguda pós-CPRE envolve estratégias farmacológicas e mecânicas. A evidência atual apoia fortemente o uso de indometacina retal em todos os pacientes submetidos à CPRE, bem como a colocação de stents pancreáticos em pacientes de alto risco. A combinação dessas estratégias deve ser considerada para otimizar a prevenção de PAPC, particularmente em populações de alto risco.

Referências:

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